Malafaia, o Rasputin brasileiro

Malafaia, o Rasputin brasileiro

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Marcio Ferreira

A exemplo do místico que influenciou a corte russa, pastor transformou fé em capital político: o conselheiro espiritual que, sem cargo, exerce poder real


As recentes investigações da Polícia Federal revelaram mais do que mensagens repletas de palavrões e desespero: expuseram uma relação de poder desigual entre Jair Bolsonaro e o pastor Silas Malafaia.

Nos áudios, o ex-presidente, agora réu no Supremo Tribunal Federal, soa hesitante, enquanto Malafaia assume o papel de estrategista. É nesse descompasso que surge sua imagem como o “Rasputin brasileiro”: um líder religioso que age nos bastidores, ditando o tom de um movimento que resiste à queda de seu chefe original.

Grigori Rasputin (1869-1916) não foi czar nem ministro. Era um camponês místico que ganhou acesso à corte russa por supostamente aliviar a hemofilia do herdeiro Alexei. Transformou fé em capital político e passou a influenciar a czarina Alexandra na ausência do czar. Para uns, era charlatão devasso; para outros, presença indispensável. Seu assassinato, em 1916, selou a imagem do “homem das sombras” responsável pelo fim dos Románov.

A metáfora serve bem a Malafaia. Ele não é o maior líder evangélico do Brasil — Edir Macedo e R.R. Soares comandam impérios maiores. Seu púlpito é menor, mas sua força está na comunicação. É o pastor dos vídeos virais, que domina a linguagem das redes e incendeia plateias digitais.

As mensagens reveladas pela Polícia Federal reforçam esse protagonismo. Bolsonaro aparece titubeante, enquanto Malafaia sugere ataques ao STF, horários de postagem e táticas digitais. Nos áudios, é ele quem manda. O ex-presidente surge frágil, dependente, acuado.

Assim como Rasputin não governava, mas influenciava, Malafaia também não ocupa cargo público, mas exerce poder simbólico. Se Rasputin “curava” o czarevitch, Malafaia mantém viva a chama de um movimento político em crise.

Numa leitura psicanalítica, Malafaia ocupa o lugar do superego freudiano na relação com Bolsonaro: repreende, legitima, encoraja. É a voz que grita onde o outro sussurra. Sob a ótica de Jung, encarna o arquétipo do profeta, porta-voz de uma força maior contra “os inimigos da nação”. Sua retórica é messiânica, binária, sempre entre salvação e apocalipse.

Essa fusão entre púlpito e palanque é seu campo de poder. Nunca disputou eleições, mas sempre financiou e organizou atos, trios elétricos e esquemas de segurança. Mesmo sob risco de prisão, voltou a convocar o 7 de Setembro. “Não tenho medo de ser preso”, disse em entrevistas — gesto que o aproxima da figura de mártir que Bolsonaro tentou encenar, sem sucesso.

O bolsonarismo não se resume ao ex-presidente. É movimento social sustentado por redes digitais, base evangélica e retórica antissistema. Com Bolsonaro em prisão domiciliar, a extrema-direita perde o general, mas não a tropa. Nesse vácuo, Malafaia se projeta.

Ele não demonstra ambição de ser presidente, mas pode se tornar símbolo e articulador. Seu discurso barulhento mobiliza uma base que ainda responde aos códigos do “mito”.

O paralelo entre Rasputin e Malafaia é simbólico: um atuava numa corte aristocrática em colapso; o outro, numa democracia polarizada. Ambos, porém, representam o mesmo arquétipo: o conselheiro espiritual que, sem cargos, exerce poder real.

Rasputin terminou como bode expiatório. Malafaia, ainda vivo e atuante, pode se reinventar e até se projetar como mártir. O futuro dirá se será engolido pela narrativa que constrói ou se moldará o bolsonarismo à sua imagem.

O “Rasputin brasileiro” é chave de leitura para compreender como religião, psicologia e política se entrelaçam no Brasil. Malafaia não é apenas pastor: é conselheiro, estrategista, superego e agitador.

Se Bolsonaro foi o “mito”, Malafaia tenta ser o “profeta indignado” que mantém a chama acesa. E talvez seja neste papel, de Rasputin tropical, que se firme como protagonista da política brasileira dos próximos anos.

Marcio Ferreira

Marcio Ferreira

Jornalista, Doutorando em Sociologia Política, Mestre em Sociologia e sócio na Brotar Comunicação.

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